Ativos judiciais: a importância da análise jurídica

Em linhas gerais, os distressed assets – ativos alternativos, ativos estressados, special situations, ativos imobiliários estressados, legal claims ou qualquer outra denominação – podem ser classificados como ativos que trazem, em sua essência, algum tipo de stress em razão do vencimento, da inadimplência e, em sua larga maioria, da sua judicialização.

Todos esses detalhes fazem com que os distressed assets se tornem um ativo de risco de longo prazo, porém com uma rentabilidade  superior ao praticado no mercado tradicional.

Neste cenário, a realização de uma ampla e segura análise jurídica é de  suma relevância aos investidores, servindo-lhes como instrumento útil e necessário para amparar sua tomada de decisão de aquisição ou não, sobretudo se o ativo estressado for um crédito judicial.

E aqui reside o detalhe essencial para este segmento de investimento: A importância da análise jurídica por profissionais especializados, isto para fins de se conhecer integralmente o cenário em que o ativo está inserido, diminuindo os riscos e tornando-o ainda mais atrativo.

O estudo técnico do ativo de interesse permite antever eventuais nulidades processuais (prescrição intercorrente, ausência de intimações obrigatórias, vício da citação ou outras vicissitudes) que poderiam prejudicar, total ou parcialmente, a performance do ativo.

Há, ainda, a necessidade de se antever questões jurídicas relacionadas à viabilidade de procedência e/ou improcedência, probabilidade de reversão em segunda instância e tribunais superiores, risco de instauração de concurso de credores.

Abaixo, falaremos, em síntese, sobre alguns institutos que, por meio da análise jurídica, pode ser visualizado pelo profissional.

01. – DAS NULIDADES, SEU CONCEITO E SEUS EFEITOS:

Acerca do conceito de nulidade processual, a melhor doutrina ensina que esta é “a privação de efeitos imputada aos atos do processo que padecem de algum vício em seus elementos essenciais e que, por isso, carecem de aptidão para cumprir o fim a que se achem destinados”.

Classificam-se as nulidades processuais como absoluta e relativa, sendo que parcela considerável da doutrina considera que algumas delas, em grande parte às relativas, como meras irregularidades.

As principais características da nulidade absoluta são o (a.) interesse público, (b.) possibilidade de ser decretada pelo juiz, independentemente, de manifestação de vontade das partes e (c.) possibilidade de ser reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, conforme estabelecido pela Legislação Processual Civil (Art. 278, parágrafo único).

A título de exemplo podemos destacar: incompetência absoluta (Art. 64, §1º, CPC), ausência de intimação das partes ou dos advogados (Art. 272, §2º, CPC) ou ato praticado por advogado sem poderes (Art. 104, §2º, CPC).

Por outro lado, as nulidade relativas são caracterizadas (a.) pelo interesse particular e (b.) pela demonstração tempestiva de prejuízo efetivo, sob pena de convalidação do vício (Art. 278 CPC).

Como exemplo podemos citar: incompetência relativa, que deve ser arguida como item da contestação, salvo na hipótese do Artigo 63, §3º, do Código de Processo Civil.

Por fim, as meras irregularidades são os vícios que possuem menor gravidade, ocasionados pela inobservância de regra não relevante, não prejudicando as partes e nem o processo, como, por exemplo, a utilização de texto em língua estrangeira na petição inicial (Artigo 192 CPC).

Em casos práticos, o efeito imediato do reconhecimento da nulidade absoluta será a necessidade de suprimir o ato nulo mediante a renovação da medida ou a realização dele na devida forma legal.

Se a nulidade insanável for atribuída ao autor da demanda, em tese, o processo poderá ser extinto, sem resolução do mérito. Contudo, em casos isolados e pelo princípio da causalidade, caso o ato não afete a validade da relação processual, poderá ser tratado isoladamente, sem reflexos sobre o processo.

Entretanto, quando o ato nulo for de titularidade do réu, não haverá qualquer incidência no andamento da demanda, que seguirá tradicionalmente como se a conduta não tivesse sido efetivada.

Por assim ser, a prévia análise jurídica do processo em que o ativo está sendo discutido permitirá ao profissional verificar se a demanda está infundida de eventual nulidade absoluta ou relativa. Na primeira hipótese, ensejará ensejar a extinção do processo, na segunda, o atraso no regular prosseguimento, que poderá ser compensado com a aplicação de deságio ainda maior na negociação de aquisição.

02. – DA PRESCRIÇÃO MATERIAL OU NA MODALIDADE INTERCORRENTE:

Noutra banda, considerando créditos judiciais estão, em sua grande maioria, vinculados a processos judiciais que tramitam por muitos anos, a detecção de eventual prescrição (material ou na modalidade intercorrente) é de suma importância.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery explicam que a “prescrição é causa extintiva do direito ou da pretensão de direito material, pela desídia de seu titular, que deixou transcorrer o tempo sem exercitar seu direito. Sendo a prescrição causa que restringe direitos, tem de ser interpretada de maneira estrita. Quando se observar a inexistência de desídia do titular do direito ou da pretensão, deve-se dar à prescrição interpretação mitigada”.

Em linhas gerais, os prazos prescricionais materiais encontram-se previstos nos Artigos 205 e 206 do Código Civil.

Por outro lado, há o instituto da prescrição intercorrente, a qual se concretiza quando o credor, por desídia ou inércia, deixa de realizar os atos necessários para o regular prosseguimento do processo.

Para essa hipótese, na forma estabelecida pelo Artigo 206-A do Código de Processo Civil, o prazo aplicável é o prazo de prescrição material, que nas execuções, iniciará do fim do prazo de 1 ano de suspensão do processo, nos termos art. 921, §§1º e 2º, do Código de Processo Civil.

Exemplificando: O credor intimado a dar prosseguimento não apresenta qualquer manifestação efetiva em busca da satisfação do crédito, por mais de 05 (cinco) anos, a contar do fim de 1 ano de suspensão da ação. Nessa hipótese, por provocação do devedor ou de mote próprio, o juiz extinguirá o processo em razão da prescrição intercorrente, impossibilitando o credor de continuar a busca judicial do recebimento de seu crédito.

Desta forma, a aprofundada análise do processo para confirmação da inexistência de qualquer das prescrições é medida de relevo, afastando qualquer possibilidade de aquisição de direito creditório prescrito e impossível recuperação.

03. – DA VIABILIDADE PATRIMONIAL E EVENTUAL CONCURSO DE CREDORES:

A análise jurídica dos ativos alternativos também deverá levar em consideração a vida financeira do devedor, compreendendo um levantamento dos bens passíveis de penhora e dos processos ativos que ele figure no polo passivo, isto para fins de se verificar eventual ordem de preferência no concurso de credores, conforme estabelecido pelo Artigo 908 do Código de Processo Civil.

Com relação a esta matéria, deverão ser estudados 02 (dois) tipos de concursos: (a.) de credores com preferências diversas e (b.) de credores com a mesma preferência.

O concurso de credores com preferências diversas, nos termos do que prescreve o Artigo 958 do Código Civil, são classificados como de privilégios (trabalhista e fiscais, por exemplo) e os direitos reais de garantia (hipoteca e penhor, por exemplo).

Consoante estabelece o Artigo 961 do Código Civil, o crédito real prefere ao pessoal de qualquer espécie e o crédito pessoal privilegiado, ao simples. O privilégio especial, por sua vez, ao geral.

Não havendo título geral de preferência, terão os credores igual direito sobre os bens do devedor, de acordo com o Artigo 957 do Código Civil, conforme explica o professor Araken de Assis :

“Recebem seus créditos em primeiro lugar, portanto, os credores dotados de ‘título legal à preferência’, e na ‘ordem das respectivas prelações’, consoante proclama o art. 908, caput, e §1º (v.g., o credor trabalhista, desde que haja movido execução e penhorado o bem; depois os credores quirografários penhorantes, observada a ordem cronológica das penhoras).”

Na execução civil, a ordem do concurso de credores com preferências diversas fica estabelecido da seguinte forma:

a. Créditos oriundo da legislação trabalhista, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor e os decorrentes de acidente de trabalho;
b. Créditos tributários;
c. Créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado, registrando-se decisões do Superior Tribunal de Justiça que entendem que o crédito condominial prefere o crédito com garantia real;
d. Crédito com privilégio especial; e
e. Crédito com privilégio geral.

Segundo os juristas Fredie Didier, Leonardo, Paula e Rafael, no caso de concurso de credores com a mesma preferência, a ordem fica da seguinte forma: (a.) credor da primeira penhora tem preferência no recebimento do dinheiro que resultar da expropriação do bem (Artigo 797 e 908, §2º, CPC) e (b.) credor com a segunda penhora só exercitará seu direito sobre o saldo que restar após a satisfação da primeira penhora.

Destacam, também, que a existência de sucessivas penhoras sobre o mesmo bem não afetam o direito de preferência daqueles que anteriormente obtiveram a constrição judicial (Art. 797 CPC).

Importante não se olvidar que no caso da execução civil, não se trata de concurso universal, e sim de concurso singular de credores. Portanto, aqui não se aplicam as regras contidas no Artigo 83 da Lei de Falências e Recuperações Judiciais.

Tal qual ocorre nas outras hipóteses expostas, a verificação da existência de concurso de credores ou de sua eventual instauração deverá considerado na análise e no momento da negociação da aquisição do direito creditório, dado que isso poderá inviabilizar a recuperação do crédito ou fazê-lo não performar como idealizado.

04. – DE EVENTUAIS DESVIOS PATRIMONIAIS OU SUCESSÕES EMPRESARIAIS IRREGULARES

Por fim, deve-se analisar ainda a ocorrência de eventuais desvios patrimoniais ou sucessões empresariais irregulares por empresas criadas em nome de interpostas pessoas para continuidade da atividade empresarial, a fim de verificar a viabilidade ou não da aquisição de um ativo judicial.

Neste ponto, a análise deve ser bem criteriosa, pois muitas vezes em que pese tenha havido de fato um desvio de bens ou a criação de novas empresas em nome de “laranjas”, é necessário que os fatos estejam corroborados com provas concretas da ocorrência dos atos fraudulentos.

Isto porquê, qualquer que seja o instituto utilizado para descortinar eventuais atos fraudulentos ocorridos (alegação de fraude à execução, ação paulina para desconstituição de fraude contra credores, incidentes de desconsideração de personalidade jurídica e etc) é necessário o preenchimento de requisitos jurídicos bem delineados.

No caso de incidentes de desconsideração de personalidade jurídica, por exemplo, é necessário o preenchimento dos requisitos postos no art. 50, qual seja abuso de personalidade jurídica concernente no desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

A título de exemplo, pega-se o caso comum de devedores que constituem novas empresas em nome de parentes próximos, sobretudo filhos ou sucessores. Para que haja a desconsideração da personalidade jurídica não basta demonstrar este ocorrido, mas como de fato ocorreu desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Portanto, muito além de descortinar fatos, é necessário obter provas robustas que preencham os requisitos legais para utilização dos instrumentos jurídicos cabíveis.

05. – CONCLUSÃO:

Diante das explicações e dos exemplos narrados acima, nota-se que é de extrema a importância a prévia análise jurídica para aquisição de créditos ou ativos judiciais, afastando do investidor qualquer possibilidade de avanço num crédito não perfomável.

Importante enfatizar, ainda, que o profissional deverá realizar avaliação de risco mais abrangente, para além dos elementos citados, dado cada processo possui suas próprias nuances e especificidades.

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Autor: Doutor Ítalo Ramos dos Santos

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