Que a quantidade de ações judiciais tramitando no Brasil vem sofrendo sucessivos aumentos, (infelizmente) não é novidade alguma.
Segundo informações colhidas na Base Nacional de Dados do Poder Judiciário – DATAJud, disponibilizada no site do CNJ, somente no ano de 2025, de janeiro a maio, na Justiça Estadual nacional, em primeira instância (excluindo-se os Juizados Especiais), foram ajuizadas 1.489.056 ações judiciais referentes a execuções de título executivos extrajudiciais e cumprimentos de sentenças, inflando o acervo de ações judiciais que, somente nestas duas categorias, alcança a quantidade de 10.487.007 ações pendentes.
Nesse mesmo período, 1.167.678 destas ações mencionadas foram baixadas. Ou seja, são ajuizadas mais ações do que elas são resolvidas.

As razões da grande busca pelo judiciário e submissão a ele de toda e qualquer controvérsia que exista na vida dos cidadãos para dirimir litígios são várias e apesentam tanto facetas positivas quanto negativas, como bem avaliou o Ministro Luis Roberto Barroso em sua obra “A Judicialização da Vida e o Papel do Supremo Tribunal Federal”, mas cuja perspectiva negativa é ainda mais alarmante, destacando-se, como primeiro aspecto negativo, a impossibilidade de o litígio ser resolvido de forma amigável, extrajudicial:
“Nesse sentido, a expressão judicialização da vida se refere a uma certa explosão de litigiosidade no país, que se manifesta na existência de um número espantoso de ações judiciais em curso.[…] Mas a verdade é que os aspectos negativos são mais proeminentes. O primeiro e mais óbvio deles decorre da circunstância de que a judicialização pressupõe um litígio, um conflito, uma disputa que não pode ser solucionada amigavelmente, de maneira negociada ou administrativa. O excesso de litigiosidade documenta, portanto, (i) o reiterado descumprimento de deveres e obrigações por parte de grande número de pessoas ou (ii) grande espírito de emulação por parte de outras tantas. Ou, possivelmente, uma combinação de ambas as possibilidades. Em qualquer caso, não é bom.” (BARROSO, 2018, p. 23).
A consequência dessa “judicialização da vida” é, invariavelmente, a demora para que o litígio seja resolvido. É certo que a ação será julgada, mas não na velocidade com que o jurisdicionado deseja e a mora no julgamento poderá implicar, eventualmente, na ineficácia da satisfação do direito – é o famoso “ganhou, mas não levou”.
Essa é uma realidade difícil de ser vencida, pois são muitas as camadas que precisam ser compreendidas e superadas para que se alcance o ideal de judicialização somente daquilo que realmente demanda efetiva intervenção do Judiciário.
Ocorre que esse excesso de judicialização não apenas sobrecarrega o sistema, mas também reforça a importância de se buscar novos meios e alternativas para dirimir conflitos entre as partes e alcançar algum patamar de autonomia do judiciário.
Nós propomos nas próximas semanas a discutir e trazer insights que possam contribuir com uma (ou alguma) mudança de comportamento voltada a trazer ao interessado a satisfação de sua pretensão, “ganhar, e levar”.
Os dois primeiros destes temas são (i) a resolução do conflito entre as partes e (ii) a composição extrajudicial/administrativa como alternativas eficaz para a resolução de litígios.
Parece lógico e simplista sugerir que as partes envolvidas em um litígio busquem a resolução do conflito antes de ajuizar uma demanda judicial. E é lógico e simplista essa orientação. Mas o óbvio também precisa ser dito quando ele não é praticado.
Nosso sistema legal é o que se chama de civil law, no qual a lei disciplina quase a totalidade das relações interpessoais e comerciais, prevendo o que pode ou não pode ser feito e as consequências do não cumprimento de obrigações, deveres e negócios jurídicos.
Somado a isso temos um sistema judiciário que, além de utilizar a lei como fonte primária do direito, se apoia cada vez mais em precedentes, ou seja, em decisões judiciais reiteradas e confirmadas por novas decisões judiciais que confirmam um mesmo entendimento dos juízes e tribunais sobre determinado aspecto da vida.
Diante de um arcabouço tão grande de prévias disciplinas e interpretações sobre quase qualquer litígio que possam existir, torna-se (quase) incompreensível a razão de alguém se negar a cumprir seus deveres ou em resolver o litígio no qual se insere, preferindo submeter o conflito ao judiciário, cuja solução, muitas vezes, já é previsível.
No entanto, uma das razões que justifica esse comportamento reticente é justamente poder contar com a mora do judiciário para decidir o litígio e a mora que eventual indenização condenatória, por exemplo, se torna irrecorrivelmente exigível e sejam empregados os meios expropriatórios forçados.
Em nosso exemplo, conta-se com a demora com que a indenização à lesão provocada será exigida, viabilizando que, durante os anos de tramitação da ação e o uso indiscriminado de recursos e meios impugnatórios manifestamente protelatórios, o valor da indenização se torne praticamente irrelevante na vida da pessoa lesada.
Daí porque ao lesado, antes de se socorrer do judiciário, possui o interesse em buscar a solução do conflito entre as partes e a composição entre elas, porque, no caso de direitos disponíveis e questões patrimoniais, por exemplo, somente os envolvidos saberão o quanto e até quando poderão dispor e exigir uns dos outros para resolver seus litígios, podendo fazer concessões e conceder dilações de prazos para que, em conjunto e comum acordo, sejam capazes de achar a solução mais adequada e justa entre as partes.
A composição extrajudicial se mostra como um caminho lógico e menos oneroso para partes que desejam resolver conflitos sem acionar o Judiciário.
Parece simples e óbvio, e é, mas é recorrente verificar em ações judiciais a ausência dessa prévia tentativa de solução entre as partes, sendo o ajuizamento de uma ação o primeiro e único contato entre as partes para tentarem resolver o litígio. Ocorre que, uma vez ajuizada a ação, promove-se o desinteresse na conciliação do litígio.
Mas como seria exercida essa tentativa de solução “pré-judicial”? Como ela seria instrumentalizada?
Uma hipótese eficiente de composição extrajudicial é contatar a parte contrária com quem se tem o litígio por meio de uma Notificação Extrajudicial, na qual são estabelecidas as balizas do conflito, a legislação e entendimento jurisprudencial incidente sobre aquela relação e o interesse em solução não litigiosa ou judicial.
Mas qual a vantagem nisso?
Com a notificação e a delimitação do litígio, comprova-se o interesse na solução do conflito, esgotam-se as possíveis soluções conciliatórias, reduz-se os gastos que uma futura ação judicial demandará e, eventualmente, comprovar-se-á o desinteresse da parte notificada na solução do conflito caso essa notificação não surta efeito.
Em não havendo a composição entre as partes, todos esses elementos serão apresentados ao juiz, que poderá reconhecer a resistência injustificada no cumprimento de uma obrigação, viabilizando um trâmite do processo mais rápido, porque se terá inúmeros elementos de prova pré-constituídos que auxiliarão ao juiz formar sua convicção.
Ainda, ocorrendo a composição extrajudicial entre as partes, poder-se-á formar um instrumento de acordo que, em caso de novo descumprimento, servirá à parte lesada como um título executivo, que possibilita a imediatamente imposição de cumprimento da obrigação assumida, tratando-se de procedimento ainda mais célere e menos custoso.
Na hipótese de uma execução, recairá sobre a parte executada o ônus de desconstituir o título e de justificar seu inadimplemento, mas cuja análise de seus argumentos não necessariamente impedirá de exigir-lhe o cumprimento de sua obrigação agora executada.
Portanto, nestes breves comentários, concluímos que, diante de um litígio, mostra-se mais vantajoso, antes do ajuizamento de uma ação judicial, tentar uma composição extrajudicial entre as partes mediante o envio de uma notificação extrajudicial, com a qual será possível fazer prova de resistência injustificada da parte devedora ou firmar um acordo que, se descumprido, poderá ser imediatamente executado na Justiça.
Em todos os casos, que demandarão uma análise técnica específica, também surtirá o efeito de reduzir despesas e tempo para se alcançar a solução do litígio.
No próximo texto, abordaremos mais um aspecto: a cessão de crédito e de direitos.