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Cessão de múltiplos créditos a um único cessionário não enseja a limitação de 150 salários mínimos de que trata o Art. 83, I, da Lei n°. 11.101/05.

O presente artigo tem por objetivo demonstrar que a limitação de 150 salários mínimos a que se refere o artigo 83, I, da Lei nº 11.101/2005 se aplica para cada direito creditório cedido, caso o cessionário tiver contratado cessão de crédito com diversos credores no âmbito de processo falimentar.

Por primeiro a questão deve ser analisada em vista da intenção do legislador ao estabelecer o limite definido pelo artigo 83, I, da Lei nº 11.101/05. Tal providência legislativa se presta a evitar a preferência absoluta aos haveres detidos pelos administradores e colaboradores mais graduados, que normalmente ostentam salários e remunerações de envergadura mais sobressalente[1].

Assim, a limitação de 150 salários mínimos na classe laboral, e a conseguinte realocação do sobejo na classe quirografária, é providência de caráter “democrático”, de vez que possibilita a utilização de um volume maior recursos para pagamento dos direitos trabalhistas.

Por esta razão, nos casos em que o cessionário tiver adquirido diversos direitos creditórios, não se justifica a imposição da limitação legal em relação à totalidade cedida, pois a medida estaria sendo efetivada em hipótese que se distingue daquela que o legislador se ocupou de tutelar. Afinal, não significa necessariamente que todos os credores cedentes se enquadram na categoria de administradores ou detentores de remunerações de maior envergadura.

Além disso, é imperativo que sejam analisados os efeitos decorrentes da operação regular de cessão de crédito, para a compreensão acerca da possibilidade ou não de se limitar, do total cedido, apenas 150 salários mínimos da classe laboral.

A este respeito, é cediço que o negócio jurídico de cessão de crédito se limita a operar a transferência dos direitos em favor do cessionário, sem nenhuma ressalva. Significa, objetivamente, que os direitos que cada um dos cedentes detinha em face do devedor são integralmente cedidos ao cessionário, sem possibilidade de alteração no tocante à sua natureza, decorrente da imposição da limitação legal[2].

Do contrário, ou seja, caso seja decotado, da totalidade dos direitos cedidos, apenas 150 salários mínimos na classe laboral, com o deslocamento do restante na quirografária, haverá distorção dos efeitos que usualmente decorrem do negócio jurídico de cessão de crédito. Para além disso, haverá imprópria reclassificação da natureza de parte dos direitos creditórios detidos pelo cessionário, o que não pode ser admitido.

Outra questão que merece consideração é a impossibilidade de se violar os efeitos da coisa julgada, nos casos em que houve a prolação de decisões judiciais no âmbito das habilitações de crédito instauradas por cada credor cedente.

Isto porque, na hipótese examinada, a natureza laboral dos direitos creditórios cedidos foi reconhecida por sentença proferida no âmbito das habilitações de crédito correspondentes, tendo-se operado, em relação a cada uma, os efeitos da coisa julgada, decorrentes do trânsito em julgado do decisum proferido.

Assim, eventual transmudação de parte dos direitos cedidos, em decorrência da limitação insculpida pelo artigo 83, I, da Lei nº 11.101/05, afronta a imutabilidade decorrente da coisa julgada, o que não é permitido no seio do ordenamento jurídico vigente, nos termos do Artigo 502 do Código de Processo Civil.

Pelas mesmas razões, é cediço que a sentença proferida no bojo de cada habilitação de crédito, que reconheceu a natureza trabalhista dos haveres posteriormente transferidos ao cessionário, não pode ser objeto de novo pronunciamento jurisdicional distinto, de vez que nesta hipótese ocorre o fenômeno da preclusão pro-judicato.

Por estas razões, na hipótese de o cessionário tiver adquirido direitos creditórios de diversos credores cedentes, não se justificar limitar, da totalidade, apenas 150 salários mínimos da classe trabalhista, com a realocação do restante na classe quirografária. É imperativo que sejam respeitados os direitos que cada credor cedente detinha em face do devedor antes da operação de cessão, sob pena de se violar (i.) a mens legis do artigo 83, I, da Lei º 11.101/05, (ii.) os efeitos decorrentes do negócio jurídico de cessão de crédito, (iii.) os efeitos da coisa julgada formal, e (iv.) os efeitos da preclusão pro-judicato.


[1]“Outrossim, a limitação tem o intuito de proteger os menores credores. O limite impede que os demais credores trabalhistas titulares de créditos menores sejam prejudicados por um credor titular de crédito muito superior. Na ausência de ativos suficientes para a satisfação das obrigações de toda a classe, o rateio dos valores deveria ser proporcional ao crédito, o que poderia comprometer a satisfação da remuneração dos demais credores titulares de menores valores.” (SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. P.329

[2]“Nos tópicos anteriores, os efeitos já foram delineados. O cessionário recebe o crédito, tal como se encontra, substituindo o cedente na relação obrigacional. O crédito é transferido com todos os direitos e obrigações, virtudes e defeitos.” VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. – 16. Ed. Ver. E atual. – São Paulo: Atlas, 2016. P. 157)

Autores: Doutor João Marcos Dos Santos Ferreira Martins e Rodrigo José de Paula Marenco

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