Principais aspectos relevantes de uma cessão de crédito

No presente texto compilamos as principais informações abordadas em nossos textos semanais publicados no Migalhas sobre a cessão de crédito, instrumento negocial importante para conferir maior eficiência na recuperação de créditos inadimplidos, garantir foco e expertise dos envolvidos em seus negócios e solucionar litígios.

Entendendo a cessão de crédito

A primeira questão que deve ser entendida em uma cessão de crédito é sua função. O propósito da cessão de um crédito é, essencialmente, a transmissão de uma relação jurídica de um credor (cedente) para outrem (cessionário), onde este último passa a assumir essa posição de credor contra o mesmo devedor (cedido), sem qualquer alteração na natureza e objeto da obrigação cedida, conforme bem explicam Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto:

“A cessão de crédito envolve três personagens e dois consentimentos: o cedente é aquele que transfere total ou parcialmente o seu crédito; o cessionário, aquele que o adquire, preservando a mesma posição de cedente; o cedido será o devedor, que terá, a partir da cessão, de adimplir a obrigação em favor do cessionário. Importante observar que a vontade do cedido não participa da validade do negócio jurídico, pois ele não desfruta de legitimidade para se opor à transmissão do crédito, pois, em regra, a modificação da pessoa do credor não lhe acarreta prejuízo, à medida que a prestação que terá de cumprir objetivamente se mantém idêntica.” (Código civil comentado, 2022, p. 429)

Essa transmissão do direito creditório para outra pessoa beneficia o cedente pelo menos das seguintes formas:

  1. Confere imediata liquidez: a cessão pode ser parcial ou integral, mas em ambas as hipóteses, definido o valor que o cedente receberá para transferir o seu direito a outra pessoa – que pode ser o valor integral do crédito ou algum valor convencionado entre as partes –, o cedente terá à sua disposição valores que lhe conferirão liquidez para usufruir do dinheiro imediatamente como bem quiser.
  2. Melhora do fluxo de caixa e score: no caso de a cessão ser realizada por uma empresa, ela poderá usar esses recursos em seu fluxo de caixa, valendo de seus próprios direitos para gerar riqueza, auxiliando a evitar que se socorra de empréstimos bancários, por exemplo, para adimplir com suas obrigações ou garantir sua saúde financeira, o que também pode gerar o benefício reflexo de aumentar seu score perante instituições financeiras ao se apresentar como uma empresa mais capitalizada e saudável.
  3. Redução de riscos e custos: com a cessão, o cedente deixa de incorrer nos riscos e custos inerentes ao ajuizamento de uma ação judicial, mitigando prejuízo de uma eventual extinção de sua ação, da perda de um prazo processual, da condenação ao pagamento de honorários advocatícios ao advogado da parte contrária, do adiantamento de custas processuais com pesquisas patrimoniais, com contratação de peritos e mesmo com a contratação de advogados para atuar na ação judicial.
  4. Agilidade na solução dos conflitos: a cessão é um meio seguro, eficiente, simples e ágil para resolver um problema enfrentado pelo cedente, podendo ser realizado de forma particular entre o cedente e o cessionário, dispensando, por exemplo, homologação de um juiz ou formalização por instrumento lavrado em cartório.
  5. Vantagem estratégia: a cessão implica em redução de ativos a performar no longo prazo, trazendo para o presente capital significativo para tornar uma empresa, por exemplo, mais competitiva que seus concorrentes, cuja vantagem econômica vivenciada pode refletir em sua operação.
  6. Redução de custos operacionais e foco exclusivo em sua atividade/interesse: exceto nos casos de instituições financeiras e empresas especializadas em cobranças, uma pessoa física ou uma empresa não têm como escopo de atividade a cobrança de dívidas não pagas, sendo a cessão do crédito uma oportunidade para que elas não tenham que se preocupar com a cobrança e o recebimento dessas dívidas, o que lhes permite não ter de gastar quantias consideráveis com agentes de cobranças ou pessoal especializado em suas estruturas, garantindo que, sem essa preocupação, possam focar exclusivamente em suas atividades e interesses, transferindo essa “preocupação” ao cessionário.

O último aspecto acima indicado é uma condição essencial para se concluir que a cessão de crédito é um instrumento importante, pois retira do credor uma preocupação em relação a um conflito que não é do seu interesse “carregar” anos a fio na busca de uma solução que pode nem mesmo chegar e cujo o resultado, uma vez transferido ao cessionário, não lhe compete mais se responsabilizar, afinal, com a cessão, o cessionário assume o risco da solvência do devedor, que pode simplesmente não ter mais condições de adimplir com sua obrigação.

De outro lado, a vantagem para o cessionário está na oportunidade de investimento com alavancagem.

Tomemos como exemplo a cessão de crédito onerosa, na qual o cedente recebe algum valor pago pelo cessionário para a transferência do crédito.

Nessa hipótese, o cessionário analisou o crédito, entendeu que é viável cobrá-lo, negocia um valor para comprar o crédito e, depois de adquirido o crédito, toma as medidas necessárias para satisfazer a dívida, provavelmente auferindo retorno maior do que obteria com a mesma quantidade de capital utilizada para a aquisição do crédito do que auferiria com outros tipos de investimentos.

Materializando o exemplo: é possível a aquisição de um crédito no valor de R$ 100 mil pelo valor de R$ 20 mil (ou ainda menos). Aplicando-se os meios aptos para cobrar esse crédito, os R$ 20 mil investidos terão a propensão de retornar os R$ 100 mil perseguidos. Apura-se o retorno de R$ 80 mil, quatro vezes o investimento.

Em se tratando de crédito cedido já ajuizado, considerando-se somente a hipótese de incidência de juros de mora sobre a dívida (desconsiderando a atualização monetária no tempo), quanto mais tempo demorar para a satisfação do crédito, maior fica a dívida e maior o retorno.

No nosso exemplo, considerando uma dívida de R$ 100 mil, a demora de 12 meses para o pagamento da dívida significará o acréscimo de 12% de juros de mora, totalizando R$ 112 mil. Com o investimento de R$ 20 mil, o retorno no período é de R$ 92 mil, ou 360%.

A diferença entre o investimento e a possibilidade de ganho final também confere uma margem significativa para a celebração de acordos, conforme os resultados das pesquisas patrimoniais previamente feitas para confirmar a viabilidade da cessão de crédito.

Verificando-se que eventualmente o devedor não possui bens suficientes para satisfazer a integralidade do crédito, é possível fazer uma projeção do quanto é possível auferir e celebrar um acordo, estipulando o tamanho da dívida a ser paga e a forma de pagamento.

Assim, a principal vantagem em adquirir um crédito é a possibilidade de utilização desse meio como uma forma de investimento e promover a alavancagem do retorno investido.

Também há a vantagem valer-se da aquisição de crédito com a finalidade de promover a compensação de crédito.

A compensação ocorre quando “duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”, conforme disciplina o artigo 368 do Código Civil. É o famoso encontro de contas.

Caso uma pessoa esteja devendo a outra uma quantia elevada, este devedor poderá se socorrer no mercado para adquirir um crédito contra o seu credor e promover a compensação total, parcial ou mesmo suplantar sua dívida.

Com essa estratégia, o pagamento de fato da dívida, com a compensação, poderá ser menor do que o pagamento da dívida em si, já que será dispendido quantia menor para a aquisição de um crédito que possa fazer frente à cobrança.

Cautelas

No entanto, justamente porque a cessão de crédito implica na transferência para o cessionário de um risco antes inexistente que se impõe tomar cautelas na aquisição de um crédito.

A primeira cautela a ser verificada é a própria solvência do cedente. Isso significa que o cedente, aquele que transfere um direito creditório, deve verificar e confirmar não possuir dívidas, sejam aquelas vencidas ou aquelas a vencer.

Essa análise é imprescindível, e provavelmente vai ser verificada pelo pretenso adquirente do crédito, porque garante que a cessão não será discutida no futuro por um eventual credor ou executado. Na hipótese de ocorrer cessão de crédito quando o cedente se encontra endividado, essa cessão poderá ser questionada judicialmente, seja por meio de arguição de fraude contra credores ou por meio de arguição de fraude à execução.

Ambos os tipos de arguições podem afetar a negociação, até mesmo desconstituindo-a, fazendo com que o adquirente do crédito o perca, passando a ter o direito de cobrar do cedente algum tipo de indenização.

Além dessa precaução prévia, outras cautelas também devem ser analisadas:

  1. Natureza da obrigação: tanto o cedente quanto o cessionário devem verificar se o crédito permite ser cedido, pois há situações que não podem ser transferidas pra que outra pessoa a cobre;
  2. Existência de crédito: por mais que exista o inadimplemento de uma obrigação, não necessariamente haverá o direito creditório em relação a ela, podendo haver condições que ainda não foram realizadas que impedem a exigibilidade do crédito. Se o crédito cedido depender de condições que não possam ser implementadas pelo cessionário, o crédito pode não existir e a cessão não surtir o efeito esperado;
  3. Idade do crédito: a característica de “estressado” de um crédito pressupõe alguns elementos que devem ser considerados: data do inadimplemento, tempo de tramitação do processo e providências e pesquisas realizadas para sua satisfação;
  4. Forma da cessão: é importante verificar qual a forma que será celebrada a cessão do crédito, pois algumas vezes a cessão pode ocorrer por instrumento particular celebrado entre o cedente e o cessionário, mas em outras será exigida a formalização por instrumento público. Mesmo que a legislação não proíba a cessão de crédito verbal, essa modalidade não confere segurança ao cedente e cessionário;
  5. Formalidades legais: além da forma, o cedente deve se atentar para as demais exigências legais para a formação do instrumento de cessão, como capacidade das partes, local de sua celebração, identificação do objeto do negócio entre outras;
  6. Origem do crédito: o cedente é responsável pela existência do crédito cedido, o que significa que ele deve possuir os meios que comprovem a existência da relação de dívida com o devedor;
  7. Responsabilidade pela solvência do devedor: a lei não obriga o cedente a se responsabilizar pela solvência do devedor, mas permite que assim seja estipulado entre as partes, podendo cedente e adquirente estabelecer essa obrigação, demandando atenção na elaboração do instrumento de cessão para verificar se não é imposta obrigação ao cedente superior à sua responsabilidade;
  8. Notificação do devedor: a cessão de crédito surte efeitos quando o devedor é notificado da cessão, podendo ocorrer a notificação da cessão por qualquer meio legal, devendo-se estabelecer quem será o responsável por essa comunicação ao devedor, o que se torna interessante ao cedente assumir essa responsabilidade para que se finalize o quanto antes sua relação com o devedor;
  9. Trâmite processual: um elemento importante é saber onde e como o crédito poderá ser cobrado, se de forma extrajudicial ou judicial, qual a cidade e comarca, qual a Justiça e o rito aplicável na cobrança, pois essas características impactam na análise de composição do valor final do crédito cedido e do quanto se possui de pretensão de recebimento.

Nos casos de cessão de crédito já judicializado, é importante que o cedente acompanhe a cessão do crédito até que seja prolatada uma decisão judicial a homologando. Não se trata de uma exigência legalmente expressa, mas de uma cautela decorrente da experiência na lida com esse instrumento, porque existindo qualquer causa impeditiva da cessão, o crédito poderá retornar ao cedente, possivelmente afetando a própria cessão, surgindo hipóteses que não comportam meras retificações.

De outro lado, o cessionário não pode se satisfazer simplesmente com as informações que lhe são passadas pelo cedente titular originário do crédito, sendo imprescindível que promova sua própria due diligence para verificação das condições do crédito que se pretende a aquisição e de sua correta precificação.

Os detalhes em uma operação de cessão de crédito são importantíssimos, justamente porque, em muitas situações, o cessionário despenderá de recursos significativos para a aquisição de um direito creditório já estressado, onde várias tentativas de localização de bens já foram implementadas, cujo erro na estratégia de precificação e de execução dos trabalhos poderá acarretar prejuízo. A Mazzotini Advogados Associados conta com equipe especializada, com mais de uma década de experiência, e pronta para auxiliar seus clientes em todas as etapas de uma cessão de crédito.

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